sábado, 6 de novembro de 2010

The art of noise

Throbbing Gristle

Em 2005 pude assistir, na Casa da Música, a algo que me ficará para sempre na memória. Bernd Friedmann (aka Burnt Friedman) e os seus Flanger promoviam, na altura, "Spirituals". Friedman é um músico/produtor, que se destaca por projectos próprios como os mencionados Flanger, e por colaborar com nomes como Uwe Schmidt (aka Atom Heart; aka Senõr Coconut), os Nu Dub Players, Jaki Liebezeit, David Sylvian e muitos outros. Ontem voltei ao mesmo local para participar em mais uma noite Clubbing promovida pelo espaço cultural portuense, com Friedman como principal atractivo. Foi, no  mínimo, uma noite estranha, com coisas boas e outras nem tanto.


Jaki Liebezeit & Burnt Friedman

De positivo:
. A primeira performance da noite, a cargo do colectivo britânico Throbbing Gristle (TG, agora X-TG, pois P-Orridge, um dos membros da banda, comunicou, no final do mês passado, a sua decisão de não continuar a fazer parte do projecto, o que levou a uma adaptada e apressada mudança de nome). OS TG são produtores de texturas sonoras muitíssimo pouco habituais, complexas, difíceis, e foi uma experiência muito interessante ver e ouvir manipular sons vindos de "coisas". Literalmente. Assistiu-se a constantes manobras de manipulação de ruídos que eram produzidos por Peter "Sleazy" Christopherson e seus "instrumentos": cristais, objectos emissores de electricidade, estranhos guarda-chuvas sonoros e iluminados (junto ao microfone) e outros que funcionavam por mera aproximação das mãos ou outros objecto, numa coreografia inédita. Uma das grandes fontes de inspiração de projectos como Pan-american, Stars of the Lid, Husker Du, os próprios Flanger, e tantos, tantos outros, estava ali à minha frente.
. Positiva também, ainda que tardia, foi a interpretação de Burnt Friedman, o designer sonoro, e Jaki Liebezeit, mais uma personagem referencial da música moderna, fundador e antigo baterista dos Can, projecto paradigmático para a construção e  definição do Krautrock (o primeiro trabalho da banda reporta-se a 1968).  O que esteve em palco foi, numa visão simplista, música electrónica. Audições atentas, no entanto, remetem-nos para outros universos. De toda a forma é difícil categorizar aquilo que se ouviu. Situa-se algures entre a electrónica ambient, com forte influência de Jazz e algumas fumarolas de Dub.  Funcionando como base melódica, os samples que Burnt Friedamn manipula, são fantasiados pelas notas persistentes dos seus instrumentos. Embalam. Os sons metronómicos da secção rítmica liderada por Jaki, também enganam. Não é invulgar encontrar, nas habituais e esperadas assinaturas das batidas, beats inesperados e variações subtis. Cria-se então uma desordem sonora, plena de ritmos secretos, que rapidamente é interpretada pelos nossos sentidos. É uma experiência quase hipnotizante.  São assim os três trabalhos editados pela Nonplace, que resultam da colaboração entre estes dois músicos. O título destas três edições, Secret Rhythms (vol. I, II e III) espelha bem aquilo que se pôde ouvir.

De lamentar:
. A má organização com que a Casa da Música brinda os seus clientes. É absolutamente incompreensível, e não são folhetos bonitinhos, que nada dizem, que me fazem pensar o contrário.  Nestas noites Clubbing, isto nota-se mais ainda. Ontem, poucas informações existiam acerca do alinhamento e dos respectivos horários daquilo que ia acontecer. E nos dias anteriores, mesmo na net, nada se sabia. O concerto de B.Friedman/J.Liebezeit começou às 01.40h, obrigando os que queriam de facto vê-los (e só assim é que uma mão-cheia de gente aguentou), a uma espera sem sentido. Como resultado, a sala Suggia estava quase vazia quando começaram. Uma hora depois, quando o concerto terminou, a sala teria cerca de trinta pessoas. O olhar incrédulo de Jaki, no final, enquanto agradecia, foi bem revelador. O duo despediu-se sem um único encore!
. A postura de muita gente que vai para este tipo de eventos sem estar devidamente informada e/ou interessada. Ontem ia ser uma noite para um público especial que devia saber ao que ia. Não se ia andar ao som do Pop/Rock. Foi uma noite de homenagem à música experimental que, por definição, nunca é fácil de ser escutada. Se a desconhecida ao meu lado dormia e, por isso, não me incomodava, já  atrás de mim, um grupo  de pessoas conversava como se estivesse numa esplanada. Juro que acho que ouvi pedir um fino e um pastel de nata!

(Mais fotos aqui e aqui)

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