sábado, 29 de maio de 2010

Quando o homem se faz deus

A técnica dos implantes Cochlear tem feito milagres em gente que vive a surdez. Um micro implante no ouvido interno tem-se revelado de extrema eficácia na recuperação da audição. Sobretudo em crianças. Neste pequeno filme, um bebé de poucos meses ouve pela primeira vez. O resto, é ver. Provavelmente as imagens mais belas e ternurentas que vi nos últimos tempos.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

quarta-feira, 19 de maio de 2010

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Obviamente

Para os "génios" de todos os dias.

domingo, 16 de maio de 2010

Bluesologist

Apesar do que diz F. Scott Fitzgerald ("There are no second acts in American lives"), às vezes, há mesmo palcos americanos que vêem segundos actos. Gil Scott-Heron é a prova viva disso mesmo. No início dos anos 70, Gil, com a ajuda de gente como The Last Poets, enveredou por um estilo novo, em que a spoken word assumia um papel determinante. Estavam lançadas as bases para o nascimento do movimento rapper e das variantes do hip-hop. Depois, à semelhança de muitos outros americanos, Gil Scott-Heron perdeu o norte e viveu um longo e difícil primeiro acto que parece ter terminado há poucos anos. Segundo afirmou, "desapareceu". E foi esse desaparecimento que funcionou como catalisador para começar de novo ("I learned I'd disappeared. I learned I made this record because I was angry when I got outta prison. Let me tell you, you certainly don't feel angry the day you get outta prison.")

O mais recente trabalho de Gil Scott-Heron está longe de ser perfeito. Um pouco como o seu autor. Além do mais, é curto. Pouco mais de 28 minutos. Sobretudo para quem esteve 16 anos sem gravar. A cocaína atirou-o para a cadeia e foi aí (Rikers Island Prison) que o produtor Richard Russell o desafiou para este I'm new here, título irónico para quem conta com 16 álbums editados (sem contar com os trabalhos ao vivo). No entanto, este homem, este cientista dos Blues, ou Bluesologist, como se autodenominou no início do seu concerto, sábado à noite na sala Clubbing da Casa da Música, é autor de um dos trabalhos mais interessantes deste início de 2010. Apesar de curto e imperfeito.

No concerto de ontem apareceu um Gil apaziguado. Já apaziguado, diria. Alguém que leva o que contar quando desta se for. Foram mais os títulos de início de carreira do que deste I'm new here. Nem New York is killing me, esse hino autobiográfico e perfeito exemplo da tal ciência do Blues, se ouviu. Passou por I'll take care of you e por recuperar hits como Work for piece e Winter in America. Brincou com o facto de ter sido samplado (Kanie West, Common, Blackalicious, Tupac Shakur ou P.M.Dawn, literalmente usaram os sons de Gil), amaldiçoou o vulcão islandês (bendito foste, nessa altura!), disse-se inimigo de todas as guerras e apresentou os seus colegas de palco como "brothers". Atrás do seu teclado Rhodes, tão característico dos anos 70, com a sua voz grave, profunda e poderosa, nunca escondendo o seu pequeno defeito na fala, foram bastantes os momentos em que se recostava para trás, como se a música funcionasse como uma almofada, e olhando para as luzes, sorria, gozando o momento. Que venha o terceiro acto.

Mais fotos aqui

sexta-feira, 7 de maio de 2010

O amor com a dor se apaga

(imagem possível, via iPhone, que o ambiente não dava para mais...)

À medida que Rufus Wainwright ia entrando no palco do Coliseu do Porto, com um vestido azul de longa cauda, penas brancas no pescoço e tez branca de actor Kabuki - uma cena a lembrar Gloria Swanson em Sunset Boulevard – pressentia-se que a noite ia ser diferente e muito pouco convencional. Nada que não esperasse: em quatro concertos a que assisti do canadiano, nunca um se repetiu ou deixou de ter surpresas. O público foi devidamente avisado para não aplaudir entre canções (os pobres que chegaram tarde-mais uma vez começou à hora marcada- e desconheciam o aviso, recebiam rabecada grande quando iam “à palminha”). E durante cerca de uma hora, o cantautor levou-nos a viajar por uma série de mares muito pessoais, que percorreram portos íntimos como o da morte recente (Janeiro último) da sua mãe, Kate McGarrigle; as dores dessa e de outras perdas; a sua relação com a irmã Martha e a sua também recente reconciliação com o seu pai, o consagrado Loudon Wainwright III. Durante cerca de uma hora viveu-se um ambiente missal, com os silêncios entre músicas a reforçarem ainda mais os sons melancólicos de All Days Are Nights: Songs for Lulu, o seu mais recente trabalho. Em fundo, a todo o pano, um olho muito/pouco humano(!), que se multiplicava por vezes, ora mostrava a pálpebra ora se abria até, lentamente, deixar sair uma lágrima. Contemplava a audiência. Ia-se fechando e abrindo. Substituía o olhar de quem estava em palco: nem por uma única vez Rufus olhou aqueles que estavam à sua frente. No final, levantou-se, contornou a cauda do seu vestido e, muito lentamente, afastou-se. Da mesma forma que entrou. Em silêncio. Até desaparecer.

Foi quase com um ar de alívio que se viu Rufus reaparecer, depois de um intervalo de vinte e cinco minutos, sem aquele negrume. O fundo do palco era iluminado agora por cores vivas e Rufus vestia um fato claro. Durante cerca de mais uma hora percorreu os seus temas mais marcantes e conversou com a plateia. Aqui couberam palmas, risos e cumplicidades. Enganou-se três vezes (Art Teacher; Little Sister e Cigarettes and Chocolate Milk) e das três vezes alegou que tinha a cabeça no que tinha visto e comido nesse dia, quando andou a passear pelo Porto. Terminou com um encore e com agradecimentos sentidos ao seu público, pela forma como, com carinho e dedicação, o ajudaram a ultrapassar o que viveu nestes últimos meses. Foi um final perfeito de uma noite com um autor que, preferindo cantar o amor, se viu obrigado a cantar a dor que lhe veste a alma.