domingo, 16 de maio de 2010

Bluesologist

Apesar do que diz F. Scott Fitzgerald ("There are no second acts in American lives"), às vezes, há mesmo palcos americanos que vêem segundos actos. Gil Scott-Heron é a prova viva disso mesmo. No início dos anos 70, Gil, com a ajuda de gente como The Last Poets, enveredou por um estilo novo, em que a spoken word assumia um papel determinante. Estavam lançadas as bases para o nascimento do movimento rapper e das variantes do hip-hop. Depois, à semelhança de muitos outros americanos, Gil Scott-Heron perdeu o norte e viveu um longo e difícil primeiro acto que parece ter terminado há poucos anos. Segundo afirmou, "desapareceu". E foi esse desaparecimento que funcionou como catalisador para começar de novo ("I learned I'd disappeared. I learned I made this record because I was angry when I got outta prison. Let me tell you, you certainly don't feel angry the day you get outta prison.")

O mais recente trabalho de Gil Scott-Heron está longe de ser perfeito. Um pouco como o seu autor. Além do mais, é curto. Pouco mais de 28 minutos. Sobretudo para quem esteve 16 anos sem gravar. A cocaína atirou-o para a cadeia e foi aí (Rikers Island Prison) que o produtor Richard Russell o desafiou para este I'm new here, título irónico para quem conta com 16 álbums editados (sem contar com os trabalhos ao vivo). No entanto, este homem, este cientista dos Blues, ou Bluesologist, como se autodenominou no início do seu concerto, sábado à noite na sala Clubbing da Casa da Música, é autor de um dos trabalhos mais interessantes deste início de 2010. Apesar de curto e imperfeito.

No concerto de ontem apareceu um Gil apaziguado. Já apaziguado, diria. Alguém que leva o que contar quando desta se for. Foram mais os títulos de início de carreira do que deste I'm new here. Nem New York is killing me, esse hino autobiográfico e perfeito exemplo da tal ciência do Blues, se ouviu. Passou por I'll take care of you e por recuperar hits como Work for piece e Winter in America. Brincou com o facto de ter sido samplado (Kanie West, Common, Blackalicious, Tupac Shakur ou P.M.Dawn, literalmente usaram os sons de Gil), amaldiçoou o vulcão islandês (bendito foste, nessa altura!), disse-se inimigo de todas as guerras e apresentou os seus colegas de palco como "brothers". Atrás do seu teclado Rhodes, tão característico dos anos 70, com a sua voz grave, profunda e poderosa, nunca escondendo o seu pequeno defeito na fala, foram bastantes os momentos em que se recostava para trás, como se a música funcionasse como uma almofada, e olhando para as luzes, sorria, gozando o momento. Que venha o terceiro acto.

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