Filtrando alguma carga excessivamente religiosa, é mais um texto de J. Luís Martins no "
Jornal i", que aprecio pelo potencial que tem enquanto catalisador de reflexões. Uma das razões para a manutenção da leitura deste periódico ao sábado. Sem dúvidas!
"Cada vez mais pessoas estão preocupadas consigo mesmas. Cuidam de si de uma forma tão dedicada que se poderia supor que estão a construir algo de verdadeiramente belo e forte; mas não... os resultados são normalmente fracos e frágeis. Gente manipulável que se deixa abater por uma simples brisa... cultivam o eu como a um deus, mas são facilmente derrubados pela mínima contrariedade.
Tendo a originalidade por moda não será paradoxal que a sociedade esteja a tornar-se cada vez mais uniforme? Como a multidão tende sempre a nivelar-se por baixo, estamos a tornar-nos cada vez piores.
Hoje parece não haver tempo nem espaço para um cuidado mais fundo com a nossa essência – são poucos os que hoje têm amigos verdadeiros com quem aprendem, a quem se dão e de quem recebem valores essenciais.
Por medo da solidão quer-se conhecer gente, cada vez mais gente. Talvez o facto de se buscar uma quantidade de amizades mais do que a qualidade das mesmas explique por que, afinal, há cada vez mais solidão... sempre que prefiro partir em busca do novo, escolho abandonar aquele(s) com quem estava.
O sucesso das redes virtuais é hoje um sintoma, um resultado, do mal estar fundo de quem se sente só, de quem busca o encontro com o outro, mas não quer ir até à sua presença; de quem busca palavras de apoio, mas não está disposto a abrir-lhes o seu coração e a escutá-las intimamente... perdem-se horas, dias e anos assim. Parece um exército de eremitas narcisos. Se precisam tanto do outro, porque se deixam ficar atrás do teclado? Longe do braço e do abraço do amor do outro?
A vaidade não eleva o sujeito, afoga-o. Sucumbe porque lhe falta a ligação vital ao outro, essa humildade que engrandece, essa pobreza que nos faz ricos através do sorriso do outro.
O amor é uma espécie de compromisso com a felicidade do outro. A vontade e o empenho real pelo bem do próximo. Um contra-egoísmo. Esqueça-se a auto-estima, o amor próprio ou a auto-ajuda... amar é esquecer-se de si. Deixar-se para trás. Mais adiante, virá a lúcida consciência de que é só quando me dou genuína e gratuitamente que me encontro. Que preciso de sair de mim para, através do outro, ver como sou. Ali, paradoxalmente, longe do espelho. Onde as palavras importantes se escutam com os ouvidos e os sorrisos verdadeiros são dados olhos nos olhos.
A sociedade está progressivamente mais pobre, com gente que, ao invés de ter uma interioridade autónoma capaz de sonhar e de lutar por um caminho seu, tem por alma uma mera caixa de reação aos contextos, previsível, estável... triste. Muito.
Só uma revolução das vontades fundas, uma tomada do poder individual das dimensões mais livres e criativas do homem, poderá inverter esta tendência de degradação essencial da alma humana.
Ninguém se encontra na solidão. Ninguém pode sequer sonhar de forma verdadeira se não tem com quem partilhar os seus desejos íntimos. Ninguém chegará sequer perto da felicidade se não viver abraçado a alguém. Ninguém se completa a si mesmo. Ninguém se basta.
O egoísta e o vaidoso não percebem que a nossa felicidade não passa por cuidarmos de nós mesmos, mas dos outros. Que só esquecendo-nos de nós e entregando o melhor de nós mesmos conseguiremos permanecer para sempre naqueles a quem assim amámos.
Ser é amar, e amar é dar-se.
(...)"
José Luís Nunes Martins, in Jornal i, 09.02.2013