quarta-feira, 20 de maio de 2009

Luzes foscas

Quando se tem uma voz andrógina, com timbres de gospel, soul, e forte inspiração jazzística, inovar é mais complicado que o habitual. Antony Hegarty tem uma voz bela e única mas está a pagar cara essa factura. Não se trata de julgar que qualquer projecto musical tenha de passar por uma obrigatoriedade de fugir a um estilo entretanto criado. Ou que um qualquer projecto musical, mantendo a mesma linha, evitando fazer algo diferente, fugindo ao esperado, tenha voz de sentença. A ideia de estilo próprio tem cabimento na maioria dos casos. É aceite e até se recomenda. A questão reside na especificidade: ao ter uma voz única, facilmente identificável de tão única, Antony é somente a sua voz. Isto, que na maioria dos casos seria muito, começa a ser pouco para Antony Hegarty. Com "The crying light" já deste ano, a fórmula repete-se, torna-se maçadora e dou comigo a ter a certeza que Antony só consegue cantar o que é triste, escuro e bizarro na humanidade. É pouco. Não dá para mais. Sempre com um fácil vibrato. As melodias são banais e caem no erro de fazer sobressair a sua voz. A faixa com o mesmo título do álbum tem um refrão tão repetitivo que se torna irritante o que me obriga a passá-la à frente nas inúmeras hipóteses de audição que dei ao disco. Salva-se Everglade, a última canção, e pouco mais.
Já tinha visto Antony & the Johnsons ao vivo, na Casa da Música aquando do lançamento de "I am a bird now" (este sim, autêntica "pedrada no pântano"), em 2005. Na altura a expectativa era grande pois vivia ainda a ressaca da descoberta desse seu fabuloso segundo trabalho. Na altura, num registo ligeiramente mais intimista e com menos Johnsons em palco, fiquei com a ideia de que o grupo tinha cumprido mas que não estava perante um "animal" (ou "animais") de palco. Para o espectáculo de segunda-feira o espírito era o oposto do de há um par de anos atrás. Não tivesse os bilhetes desde Fevereiro e, de certeza, nem pensaria sequer na possibilidade de ir ao Coliseu do Porto. Fui. Antony compareceu com a sua banda. Sentados, bem vestidos e bem comportados, mostraram sempre excesso de comedimento na forma como tocavam. Faltava alma. Faltou alma! Em palco estavam duas entidades diferentes: o vocalista e o seu piano; e todos os outros membros da banda. Sentia-se isso e não era necessário puxar pelas dioptrias. Sobraram vibratos, trejeitos e piadas políticas à mistura com preocupações ambientais. Isso e mais os flashes omnipresentes de quem, de certeza, não vê à posteriori os negrumes que saiem da máquina como produto final em vez do que deveriam ser fotografias.
Foi relativamente agradável! Dizer isto de um concerto é quase lamentar os 40 euros que paguei. Quase. Os poucos momentos altos (umas variações de um mesmo tema que iam levando a banda ao desespero) foram menos do que aqueles com pouco brilho. E nem mesmo os novos arranjos dos temas de "The crying light" (melhoraram-nos q.b.) foram o bastante para sentir mais do que algum conforto. Ficou o consolo de pensar que, ao criar novos arranjos, o próprio Antony me dá razão e considera "The crying light", um álbum menor.
Mais imagens aqui.

2 comentários:

Clarice disse...

Pelas fotografias que tiraste... os 40 euros valeram a pena!

*Gosto da primeira apresentada em "Mais imagens aqui"

*e gosto deste teu bocadinho :
"Sentados, bem vestidos e bem comportados, mostraram sempre excesso de comedimento na forma como tocavam. Faltava alma. Faltou alma!"
Falta tanta alma por ai, Jorge... e "pagas" muito mais que 40 euros para veres isso na vida!Essa é que é essa! Por isso também adorei as tuas fotografias, e sabe-me bem olhar só para o melhor... que se dane uma boa voz!

É o que eu digo sempre... ficas caladinho um tempo, e depois apareces assim!:)

Carlos Lopes disse...

Não deixas de ter razão no que dizes, mas não ta dou por completo. Também há escritores (e geralmente são os melhores) que passam a vida a "escrever sempre o mesmo livro", if you know what I mean... E, nessa repetição, nem sempre temos os "olhos" ou os "ouvidos" dispostos ao prazer, como os tivemos da primeira vez. O difícil, por vezes, é "olhar" ou "ouvir" as mesmas coisas de sempre, encontrando nelas a novidade já tão nossa conhecida.

Mas uma coisa é inquestionável: O I Am a Bird Now é de outro planeta, não tenho dúvidas.

Abraço