Foi um privilégio assistir, numa era em que os sons minimais, ainda que
eletrónicos, soam pouco trendy, ao
concerto dos históricos Kraftwerk. O privilégio resulta da consciência da
génese: os sons seminais da música eletrónica (e não só) estavam ali e muita da
música que ouço hoje provém da influência clara destes senhores que se
apresentaram em palco como sempre me habituei a ver em imagens de revistas da
especialidade ou notícias aqui e ali, do 7ete ao Blitz.
O espetáculo estava anunciado como tendo uma forte componente tridimensional
daí que a distribuição de óculos à entrada não espantasse quem se preparava
para procurar o seu lugar na sala. Os óculos reproduzem o posicionamento do
grupo em caracteres de 8 bits. A estética de 8 bits num mundo de 64 bits é algo
que começou por definir o que aconteceu na passada segunda feira na principal
sala da Casa da Música. A componente visual será a única forma de tornar
apetecível um concerto em que os elementos tocam sintetizadores e teclados mas
das diferentes formas de abordar a questão, os produtores do concerto
conceberam a ideal. As imagens tridimensionais sucediam-se e espantavam na
forma como casavam na perfeição com o registo sonoro que era produzido. O que
ouvia era profundamente familiar na medida em que os acompanho desde o início
dos anos oitenta. Ainda assim, foi interessante ver (ouver?) como a versão analógica do que conhecia, incrustada na
minha mente, foi sobreposta por uma mais clara e definida, mais digital, logo
mais robotizada e concordante com o espírito dos Kraftwerk. O grupo de
Dusseldorf tem este efeito revelador. Muito do que apresentavam como sendo algo
futurístico veio a confirmar-se como realidade presente. Radioactivity (1975) tornou-se uma homenagem a Chernobyl (1986) e a
Fukushima (2011); Computer World (1981)
funciona como espécie de premonição das atuais redes socias (é uma expressão
detestável mas à falta de melhor…) e Autobahn (1974) antecipava o poder e
efeito das vias inauguradas pelos alemães na nova sociedade civil. No palco, Ralf Hütter (único elemento do alinhamento original do
projeto), Fritz Hilpert, Henning Schmitz, e Falk Grieffenhagen posicionavam-se
atrás de pódios futuristas, vestidos com justos fatos pretos pontilhados por
traços de luz que ganhavam cor com as alterações dos cenários visuais. Hütter
funcionava como líder e acrescentava voz e sons vocais aos temas que emulavam,
também eles, a fusão (morphing) entre
o homem e a máquina. Mais ou menos a meio do espetáculo, o movimento de
cortinas trouxe quatro elementos Kraftwerk robots,
evocando The Robots do álbum Man and
Machine. Os primeiros segundos ainda trouxeram a dúvida de alguma
coreografia mas depois foi a constatação de que se tratavam de meros elementos
cénicos e mecânicos. E durante largos minutos os quatro robots, de movimentos básicos,
8 bits, estiveram a gastar as baterias para a plateia que assistia deliciada à
sua performance! Memorável. No regresso, o grupo continuou a sua digressão sonora
que contemplou os oito trabalhos editados, hipnotizando-nos com as imagens que,
sem falhar, ilustravam na perfeição o que se ouvia. Era uma banda visual, em
3D, de uma nostálgica banda sonora. O que fica é a memória de um concerto
verdadeiramente único onde a única falha residiu, mais uma vez, na natureza da
sala vs natureza do grupo. Os ecos
que tive do espetáculo de Lisboa, no Coliseu, apontam para maior interatividade
entre o público e o palco. Estar sentado num concerto desta natureza é motivo
de lamento mas com lamúrias destas vivo
eu bem.
Sem comentários:
Enviar um comentário