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O poeta e pianista, de apenas 26 anos de idade,
Benjamin Clementine, proporcionou um belo momento na última quarta feira na Casa da Música. Um momento que se revelou curto mas o repertório ainda é, infelizmente, limitado em número. Foi um desempenho cru, honesto e apaixonado, onde as suas experiências de vida (ouvindo temas autobiográficos como "Cornerstone", por exemplo) estiveram sempre presentes na sua mente e na de todos aqueles que conhecem a sua fascinante estória de vida. Com uma adolescência difícil, viveu como sem abrigo nas ruas de Paris e foram somas de acasos e graças do destino que o transportam agora para as maiores casas de espetáculo do mundo. Olha-se para este homem, observa-se o palco, e é fácil visioná-lo no início da sua carreira. Sentado diante de nós sob um único holofote, com um longo casaco escuro, sem camisa e descalço. De forma consciente ou não, percebemos outros espaços para além daquele palco. A aparência humilde e a postura (genuína, creio), obriga ao enfoque daquilo que interessa e tem maior importância: a música e a sua mensagem. Em conformidade com esta imagem, Clementine vai explicar que, ao contrário do ditado "tempo é dinheiro", ele acredita que "o tempo não tem tempo para o dinheiro". Explica-nos num sussurro . Esta é outra constante nos seus concertos: a forma como murmura as palavras para a audiência. Como se ele próprio ignorasse ou não percebesse ainda o que lhe aconteceu e como está ele ali, perante 1200 almas que o vêm ouvir e ver. É um murmúrio de humildade, quase vergonha. Mesmo sendo de poucas palavras, vai dizendo “obrigado” e que “não há muito a dizer, exceto obrigado”. E pouco mais.
Quando canta a sua voz é bem diferente. A crítica, na sua tentativa de interpretação de Benjamin, compara-o a outros grandes nomes da música. Antony Hegarty e Nina Simone são frequentemente citados. A mim também me lembra Nick Drake, Scott Walker, Elliot Smith, Ethel Merman ou o enorme Jeff Buckley. Pois, ao vê-lo, percebi que, de alguma forma, Clementine consegue invocar todos esses espíritos e destilá-los numa voz rara, distinta e autoral. Ao que junta uma capacidade única (Jeff Buckley também a tinha) de saber incorporar os silêncios nos temas que vai interpretando. Acompanhado ocasionalmente por um impressionante baterista, o francês
Alexis Bossard (uma combinação habitual para músicos de Jazz mas incomum fora deste registo), o espetáculo é a recriação dos temas do seu único álbum, "At least for now". E confirma-se que a música que faz é indefinível, única, e complicada de colocar ao abrigo de qualquer género. E faz parte do enigma de tentar perceber quem é aquele homem que ali está. Música errática na forma e no conceito. Tão depressa, como em “Gone”, surgem fluxos de palavras gritadas que se derramam no curso de uma cascata de notas acidentais; como surgem os sussurros e as temporizações dos silêncios que, estranhamente, soam nítidos na sala. Em “Cornerstone” afirma, “I am lonely, alone in a box of stone/They claim they loved me but they [are] all lying”... Em Riverman recupera um original de Nick Drake, e homenageia aquele que é um dos mais incompreendidos e esquecidos autores dos finais do século passado. Também por isso lhe fico agradecido. Ainda a começar a carreira, Benjamin Clementine tem já algo que o distingue de muitos outros e o tornam especial. Percebeu um dos grandes mistérios da humanidade, o da inevitável e essencial tristeza na vida!
No final dos temas previstos (um “fósforo” que foi), a ovação foi de pé, em jeito de solicitação para um regresso ao palco. O que aconteceu, tendo tocado mais dois temas. No fim, levantou-se, baixou a tampa do teclado do piano e...desapareceu.