Preocupa-me o desaparecimento de certas palavras. A palavra “labrosta”, por exemplo, vocábulo tão salutar com que a minha mãe chegou a brindar as minhas maneiras à mesa (“És um labrosta!”), sinónimo de pessoa “labrega”, “grosseira”, “rústica”, “campónia” ou “camponesa”, e que raramente se ouve.
Proponho que se soltem palavras desusadas por aí, como quem solta animais de cativeiro na natureza, para ver se pegam. Porque é que em vez de uma “sopa camponesa” não podemos ter um “creme de labrosta”? Até soa a coisa de prestígio.
Há palavras que se encontram numa situação crítica. Algumas só sobrevivem graças a provérbios ou expressões idiomáticas, que funcionam como última reserva, santuário, onde essas palavras ainda encontram espaço para respirar. Palavras como “albardar” ou “bugalho” estão confinadas a ditados populares como “Albarda-se o burro à vontade do dono” ou “Confundir alhos com bugalhos”. Há que reavivar estas palavras. Nem que seja nos contextos mais improváveis. Se um dos significados de “bugalho” é “conta grande do rosário”, o senhor padre que diga a meio do terço: “Irmãos, vamos agora rezar o bugalho.”
Felizmente que ainda ninguém se lembrou de actualizar os provérbios, porque senão seria uma desgraça. Lá se ia um magote de palavras. Além disso, era ridículo. O que é que íamos dizer, “Atafulha-se o porta-bagagens à vontade do dono”? Era uma hecatombe. Não só para as palavras e para os provérbios, como para todo um imaginário antigo, muitas vezes rural, que assim seria varrido da nossa memória. É urgente incentivar a utilização de provérbios e nunca pensar em actualizá-los para coisa palermas como: “Os cães ladram e a autocaravana passa”, “Em casa de informático, Windows XP” (do original “Em casa de ferreiro, espeto de pau”) ou “Ainda a fila vai no Viaduto Duarte Pacheco”, com a respectiva versão para o Norte, “Ainda a fila vai no Nó de Francos” (do original “Ainda a procissão vai no adro”).
Talvez devêssemos publicar a Lista Vermelha das Palavras, tal como a UICN (União Internacional para a Conservação da Natureza) faz com as espécies de animais, plantas e fungos. Classifiquem-se as palavras por ordem decrescente de ameaça de extinção, como “Em Perigo Crítico”, “Em Perigo” ou “Em Cadilhos”, no caso das mais periclitantes. Refira-se, a título de curiosidade, que a antiga designação da categoria “Em Cadilhos” era “Vulnerável”. Mas alterou-se por uma questão de rigor científico, como é, aliás, fácil de comprovar pela frase exemplificativa: “É fundamental proteger o tigre-de-sumatra, por ser uma espécie em perigo crítico, mas também é preciso atenção ao tubarão-branco, que está em cadilhos.”
Assim, com base numa análise empírica rigorosa, que respeita os critérios que me deram na real gana, eis alguns exemplos de palavras ameaçadas das várias categorias:
Em Perigo Crítico – Labrosta, alvíssaras, tropa-fandanga
Em Perigo – Calhordas, bambúrrio, abrenúncio, escanifobético
Em Cadilhos – Serigaita, sorrelfa, estroina, pilantra
Também pude atestar a raridade de alguns termos pelo corrector ortográfico do processador de texto, que não identifica palavras como “tropa-fandanga”. Sugere-me “contra-propaganda” em troca, porque deve gostar da sonoridade, acha que é parecido. “Ai eles fizeram propaganda? Então nós vamos fazer tropa-fandanga!”
Para que se perceba a gravidade da situação de algumas palavras, termino com uma citação de um artigo, originalmente sobre biodiversidade, com uma ligeira modificação da minha parte:
«Recentes estudos revelam surpreendentes taxas de declínio ou quase extinção de insultos como “calhordas”, “labrosta” ou “safardana” e confirmam a importância deste tipo de injúrias para as populações. Além disso, e de forma mais ampla, estes estudos demonstram que, se não formos capazes de acabar ou reverter o ritmo da perda de “calhordas”, por exemplo, isso poderá ter consequências dramáticas para os ecossistemas linguísticos ou, pior ainda, poderá significar a opção por insultos desprovidos de interesse.»
Gonçalo Puga, Público, 27.01.15